Na contramão do processo de esfacelamento da memória cultural e das tradições que vinculam o homem as suas raízes, um pequeno grupo oriundo do quilombo do Curiaú, área rural da cidade de Macapá, mantém vivo os costumes orais de sua comunidade. Esse esforço de preservar a identidade que fez com que o grupo “Raízes do Bolão” fosse escolhido para representar o Amapá na 16ª edição do Sonora Brasil Sesc que realizou nesta terça-feira, 13, a primeira noite de apresentações em São Luís, no Teatro Alcione Nazareth.
O espetáculo teve como protagonistas quatro cantadeiras, Esmeraldina dos Santos, Davina dos Santos, Carmem Andreia e Siula da Fonseca, e quatro tocadores, Mestre Pedro, Diego Santos, Manoel dos Santos, José Antônio, que trouxeram os dois ritmos tradicionais de Macapá: o batuque e o marabaixo. Neste último, os cânticos retratam fatos da vida social, do trabalho e crenças religiosas.
Antes de cada cantiga, Esmeraldina contou ao público a origem de cada um dos “ladrões”, como são conhecidos naquela região, os versos inspirados em fatos inusitados do dia a dia. Como a história de um homem que matou a onça que comeu o boi em sua propriedade. A notícia ficou tão famosa que o homem precisou se explicar para os órgãos competentes. Desse episódio surgiu à cantiga “Amigo matei a onça”.
Na modalidade “batuque”, explicou Esmeraldina, a música é mais dançante e todos são convidados a participar das rodas de forma livre, ou “esbandalhada”, pois dançam como quiserem. Nesse momento da apresentação, as caixeiras do Divino, Dona Maria Rosa e Dona Maria de Jesus, que participaram da edição anterior do Projeto, subiram ao palco para um belo espetáculo de confraternização da cultura das duas regiões.
Assim como as músicas, os instrumentos utilizados guardam a identidade local. Estes são fabricados artesanalmente, de acordo com as tradições de suas comunidades. De acordo com Pedro dos Santos, ou Pedro “Bolão”, o grupo desenvolve um trabalho social de difusão dessa arte entre os jovens por meio da confecção dos objetos.
“É uma satisfação poder fazer o próprio instrumento! Nessa vida já fui mestre de escola de samba no Marabá, mas foi com o marabaixo que ganhei o mundo”, destacou Pedro Bolão.
O termo “Bolão” é uma homenagem ao pai do integrante Pedro “Bolão” um representante da luta pela preservação de histórias, lendas, usos e costumes da comunidade onde residem. Fatores determinantes na escolha do grupo para participar do Projeto Sonora Brasil do Sesc que visa a difusão da cultura oral das comunidades que compõe a população brasileira.
Lisonjeada com a oportunidade, Esmeraldina Santos resume o projeto em três palavras: “Raízes, cultura e valorização, para mim, isso é o Sonora Brasil”.
Para Pedro Bolão, o projeto do Sesc é referência na propagação da identidade cultural, preservação da história e das tradições orais das comunidades e mais que isso, faz com que esse intercâmbio possibilite a troca de experiência. “É uma forma de não perder a identidade do povo e fazer com que o Brasil se conheça a partir do momento que conhecem a cultura dos outros estados”, comentou.
O Projeto Sonora Brasil foi criado pelo Sesc, em 1998, e viaja pelo país com apresentações que priorizam o desenvolvimento histórico da música nacional e se firma como o maior projeto de circulação musical brasileiro, por cumprir sua missão de difundir o trabalho de artistas que se dedicam à construção de uma obra artística não comercial.
O projeto busca despertar no público um olhar crítico sobre a produção e os mecanismos de difusão da música no país além de incentivar novas práticas e novos hábitos de apreciação musical e promover apresentações de caráter essencialmente acústico, que valorizam a pureza do som e a qualidade das obras e de seus intérpretes.
Em todas as edições do Sonora Brasil, é apresentada uma temática, com a proposta de valorizar elementos da música genuinamente brasileira. Nesta 16ª edição, no biênio 2013/2014, dois temas vão percorrer simultaneamente o país: Tambores e Batuques, pelos Estados das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste; e Edino Krieger e as Bienais de Música Brasileira Contemporânea, pelo Sul e Sudeste. Em 2014, ocorrerá uma inversão de percurso, dando conta de todo território nacional.